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Parasitas: a desigualdade como obra de arte


Imagem: nit.pt


É verdade que a cerimónia dos Óscares, anualmente organizada pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas, e considerada o supra-sumo das distinções da sétima arte, teve lugar há já quase duas semanas. Porém, é igualmente factual a grandeza de Parasitas, enquanto obra de arte e enquanto ensaio social. Como tal, falar sobre este filme nunca terá um prazo.


Qual é o género de Parasitas? Quem não viu, pesquisando no seu motor de busca, terá uma resposta mais rápida do que quem viu. É uma comédia? É. É drama? Também é. Não tem propriamente algo que se classifique como sendo terror, mas também é certamente um thriller. É tudo isso. “Comédia negra” é o termo mais adequado, na falta de melhor.

Mas acima de tudo, Parasitas é uma obra prima sul-coreana, de realização de Bong Joon-ho, durante a totalidade das pouco mais de duas horas que a compõem. É uma união extraordinária entre a naturalidade do que é, efetivamente, natural e do que é pouco usual, só possível mesmo em plena ficção. Tudo parece simples. Cada um interpreta Parasitas como quer – ou como uma excelente metáfora, ou como uma estória crua. Uma coisa, contudo, é bastante óbvia: o filme retrata, inequivocamente, o tema da desigualdade social.

Passa-se na Coreia do Sul, mas como diz Joon-ho: «Parasitas podia passar-se em qualquer país do nosso mundo». A desigualdade existe em todo o lado. Famílias ricas infestadas pela falsa-noção da superioridade hierárquica (ou não, obviamente) também. Famílias pobres a tentar ter uma vida digna num ambiente em que “cão come cão”, igualmente. E é precisamente na relação próxima entre essas duas famílias, muito mais real que cinemática, que a obra se alimenta.

E os parasitas, afinal, quem são? É a família Kim, pobre, mas astuta, chefiada hierarquicamente por Ki-taek (Song Kang-ho), mas cognitivamente pelos filhos Ki-woo/Kevin (Choi Woo-shik) e Ki-jung/Jessica (Park So-dam) – os três podiam ter sido perfeitamente nomeados para os Óscares de Melhor Ator e de Melhor Atriz. Porém, também a família Park (no seio da qual os Kim se inserem), abastada, mas ingénua, podem ser vistos como tal, por necessitarem tanto do trabalho dos primeiros. O espanto, no entanto, surge a meio, quando descobrimos que ainda o título do filme adquire uma nova pluralidade. E é a partir daí que progressivamente nos esquecemos que Parasitas tinha, até então, sido puramente uma comédia.

É aí que conhecemos a camada que está escondida no subsolo em Parasitas. É aí que a chuva, que limpa o céu de uns, se torna no dilúvio, que arruína a de outros. O filme chega ao seu pico dramático, pensamos nós, e só no final percebemos que, na verdade, há muito mais. Aí, percebemos que uma pedra, dada como amuleto de sorte, não é mesmo mais que uma pedra. Vemos desespero na sua forma mais extrema, sentimo-nos verdadeiramente incomodados por uma morte precoce e quando os créditos rolam, a interpretação que fazemos é primeiramente recheada de esperança. É, até pensarmos melhor. Quando o fazemos, somos nós a decidir se vemos o copo totalmente cheio, ou completamente partido.

À Palma d’Ouro em Cannes, juntaram-se dia 9 um total de quatro Óscares, incluindo o de Melhor Filme. Melhor filme do ano (calendário “Oscariano”), sem dúvida alguma. E, provavelmente, o melhor filme dos últimos dez anos.


Mauro Salgueiro Delca

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